domingo, 22 de dezembro de 2013

Consciente Coletivo

"No sonho, a associação de Jane com a 'a experiência psicológica' reportava-se a uma cena do romance de Jean Auel, intitulado The Clan of the Cave Bear. Durante um transe induzido por drogas, os feiticeiros de um Clã do período Cro-magnon participam de um ritual, no qual eles vão passando de mão em mão o crânio de um caçador - morto pelo tótem do Clã, o urso da caverna - cujo cérebro devoram. A seguinte passagem descreve essa experiência comunal através dos olhos de Ayla, uma mulher do período Neanderthal, adotada pelo Clã.

'Ela sentiu emoções desconhecidas, estranhas a seu próprio ser. A mais forte era a de amor, porém mesclado com profundo ódio e grande medo. Havia também um laivo de curiosidade. Teve um choque quando se conscientizou de que Mog-ur [o chefe dos feiticeiros] instalara-se dentro da sua cabeça. Na sua mente e nas suas emoções reconheceu os pensamentos e os sentimentos dele. Aflorava nisso tudo um aspecto nitidamente físico, uma sensação de multidão, sem o mal-estar que ela causa, mais como um toque, próximo, mas ainda não físico.

As raízes que alteram a mente... acentuavam uma tendência natural do Clã. Entre os componentes do Clã, o instinto havia evolvido para memória. Mas a memória, quando mergulhada na noite dos tempos, identifica-se, transforma-se em memória racial. As memórias raciais do Clã eram as mesmas; e, com percepção ativada, eles podiam partilhar memórias idênticas...

Ela compreendeu o profundo sentido de reverência com que os feiticeiros propiciavam o ato de canibalismo que tanto a revoltara. Não havia atinado, não tivera meios de perceber que se tratava de uma comunhão. A razão daquela Assembléia de Clãs era uni-los, transformá-los num Clã único... Todos os membros do Clã partilhavam de uma herança comum que não esqueceriam, e qualquer ritual celebrado em qualquer Assembléia teria para todos o mesmo significado. Os feiticeiros acreditavam estar contribuindo para o bem do Clã que, assim, absorvia a coragem do jovem que estivesse viajando com o Espírito de Ursus.'

Em estado de transe, Ayla traça a memória da raça e não apenas a passada, mas também a futura, onde vizualisa as duas correntes do homem pré-histórico - a de Cro-magnon e a de Neandertal - se fundirem para dessa fusão surgir o homo sapiens. Esta história é a fantasia de Auel - ou melhor, a memória - da vida pré-histórica. O que ela conta é sumamente primitivo; contudo, pode fornecer um modelo simbólico para o que nós, com a nossa tendência à individuação e à exogamia, precisamos reaver.

Embora a experiência comunitária possa parecer um retrocesso para um nível primitivo de comportamento, representa, na verdade, à maneira alfa e ômega, um passo à frente para todos os que se encontram no alvorecer da Era de Aquário. Um senso de comunidade torna-se imperativo, sob pena de destruirmos a Mãe-Terra."

(SCHAPIRA, Laurie Layton. O Complexo de Cassandra. Coleção Estudos de Psicologia Junguiana por Analistas Junguianos. Cultrix. 1988)